Visão geral
Quais projetos de mudança social são almejados, ou já estão em andamento, para transformar uma sociedade baseada em políticas alimentares exploratórias em uma sociedade que promova políticas alimentares ecológicas, justas e democráticas?
Este problema de pesquisa mais amplo será especificado em quatro perguntas de pesquisa específicas:
- Quais são as principais reivindicações de justiça que mobilizam cidadãos e cidadãs, consumidores e consumidoras para denunciar as desigualdades alimentares e exigir políticas alimentares alternativas em diferentes regiões do mundo?
- Quais conhecimentos e tecnologias são encontrados nos movimentos alimentares que visam superar as desigualdades alimentares e moldar políticas alimentares ecológicas, justas e democráticas?
- Quando esses conhecimentos e tecnologias alternativos são capazes de influenciar a política alimentar em geral e as políticas públicas em particular?
- Como as múltiplas crises (sanitárias, sociais, econômicas, políticas) associadas à pandemia da Covid-19 exacerbaram e tornaram visíveis as desigualdades alimentares ou proporcionaram janelas de oportunidade para a mudança na política alimentar?
Nossa abordagem
O grupo de pesquisa Alimento para Justiça (Food for Justice) realiza pesquisas empíricas em duas regiões do mundo: Europa, com foco na Alemanha, e América Latina, predominantemente no Brasil. Sempre que possível, serão incluídos estudos de caso de outros países dessas regiões do mundo.
Alimento para Justiça se situa nos debates da pesquisa de transformações socioecológicas, do campo interdisciplinar dos estudos da alimentação (incluindo sociologia rural e sociologia da alimentação), na tradição das ciências sociais críticas. O tema é abordado por meio do estudo de movimentos sociais engajados na política alimentar, conceituados aqui como movimentos alimentares, entendidos como instâncias para analisar a mudança social a partir da perspectiva popular (Motta 2023).
Para analisar as denúncias de injustiça de movimentos alimentares, o grupo de pesquisa se baseia na estrutura conceitual das desigualdades globais entrelaçadas (Jelin, Motta e Costa, 2017; Boatcă, 2016) e desenvolve o conceito de desigualdades alimentares, com quatro diretrizes analíticas: desigualdades multidimensionais, a multiescalaridade, a intersecionalidade e a atenção às dinâmicas de transformação.
O desenvolvimento conceitual para o estudos de justiça e alimentação e de transformações socioecológicas é uma contribuição central do grupo de pesquisa, ao vincular debates sobre transformações e desigualdades sociais no campo da política alimentar.
Alimento para Justiça é orientado por epistemologias pós-coloniais, decoloniais e feministas sobre alimentos, ecologias e produção de conhecimento. Isso implica uma postura epistemológica de descentralização de sujeitos sociais e temas tidos como abstratos, universais e não-situados socialmente, como muitas vezes se dá nos estudos dos movimentos sociais e da política alimentar.
Por favor, consulte para obter mais informações sobre o grupo de pesquisa:
Pesquisa sobre transformações socioecológicas
Contribuições e resultados esperados
Alimento para Justiça visa alcançar os seguintes resultados acadêmicos:
a) consolidar uma abordagem mais ampla para a pesquisa sobre segurança alimentar e bioeconomia na Alemanha a partir de uma perspectiva crítica das ciências sociais. Isso inclui tópicos de pesquisa como desigualdades e mudanças sociais, além de contribuições da sociologia ambiental, sociologia do espaço, e de campos interdisciplinares, como estudos de ciência e tecnologia, de gênero e poscoloniais e decoloniais;
b) articular campos de pesquisa sob a égide dos estudos alimentares, que ainda é uma área incipiente no cenário científico alemão;
c) desenvolver o conceito de desigualdades alimentares como uma contribuição para a pesquisa científica sobre desigualdades sociais;
d) desenvolver contribuições teóricas e metodológicas para a pesquisa sobre transformações socioecológicas;
e) contribuir com a teoria e o método poscoloniais e decoloniais ao vincular estudos de caso do Norte e do Sul Global, adotando uma perspectiva poscolonial, decolonial e feminista.
Com resultados práticos e relevantes, Alimento para Justiça busca:
a) identificar soluções de demandas sociais para conflitos em torno de metas de produção de alimentos, proteção ambiental e mudança climática, tendo em vista o fato de a agricultura ter um papel ambivalente na intersecção destes campos;
b) identificar conhecimentos e tecnologias que já respondem a problemas complexos, como a produção de alimentos sem resíduos, saudáveis, ecológicos e justos que beneficiem tanto os produtores quanto os consumidores;
c) identificar, com base em estudos empíricos, desafios e oportunidades relevantes para as políticas para moldar as transformações dos sistemas alimentares com justiça social, ecológica e global;
d) oferecer ferramentas analíticas para avaliar os impactos transnacionais da Estratégia Nacional de Bioeconomia da Alemanha, bem como aprender com experiências bem-sucedidas na América do Sul, comparando sistematicamente estudos de caso entre regiões do mundo e traçando suas conexões transnacionais;
e) fornecer informações e recomendações relevantes para políticas às agências de cooperação na Alemanha que estão trabalhando em projetos para garantir a segurança alimentar.
Estrutura conceitual
Orientado pela estrutura conceitual das desigualdades globais entrelaçadas, Alimento para Justiça investiga diferentes dimensões e eixos das desigualdades alimentares, em várias escalas e espacialidades, e sua dinâmica de reprodução e mudança na política alimentar.
Múltiplas forças estruturais
(socioeconômicas, sociopolíticas, socioecológicas, culturais e epistêmicas) que produzem ordenamentos hierárquicos na política alimentar
Perspectiva multiescalar e relacional
com foco nas interdependências entre fenômenos em diferentes níveis, desde tendências históricas globais até negociações locais, conectando espacialidades urbanas e rurais
Desigualdades plurais e intersecionais
afetando grupos sociais categorizados em diferentes eixos de desigualdades
Dinâmica de transformação
em que os movimentos alimentares são agentes de mudança social, em relação contenciosa com grupos de interesses que impedem uma transformação significativa em direção a relações alimentares democráticas, ecológicas e justas.
Estudos de caso
Demandas por justiças
Wir haben es satt!
Estudo de caso 1 – Wir haben es satt! (Estamos fartos!) analisa a campanha Meine Landwirtschaft (Minha agricultura) na Alemanha, uma ampla coalizão de mais de 50 ONGs e movimentos sociais que organiza uma marcha de protesto anual chamada Wir haben es satt! desde 2011. Trata-se de uma mobilização que traz pessoas de todo o país para Berlim para lutar por mudanças agrárias e alimentares.
Marcha das Margaridas
Estudo de caso 2 – A Marcha das Margaridas é uma coalizão de movimentos de mulheres e feministas por um modelo alternativo de desenvolvimento rural, políticas sociais e direitos das mulheres que incorpora demandas como soberania alimentar e agroecologia. É organizada por sindicatos de trabalhadores rurais em parceria com movimentos sociais, feministas, sindicais e organizações internacionais que vem sendo realizada desde o ano 2000, trazendo mulheres de todo o Brasil para a capital federal.
Conhecimentos e tecnologias
Redes Alimentares Alternativas
Estudo de Caso 3 – Redes Alimentares Alternativas mapeia iniciativas de Community Supported Agriculture (CSA) na Alemanha, conhecida como Solidarische Landwirtschaft, bem como outras iniciativas que estabelecem relações alternativas entre produção e consumo alimentar.
Articulação National de Agroecologia (ANA)
Estudo de Caso 4 – A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) trata de uma rede de experiências em agroecologia no Brasil, incluindo movimentos sociais rurais, agricultura urbana, bairros auto-organizados em subúrbios populares, hortas domésticas, movimentos feministas e outros.
Políticas públicas
Sistema alimentar local na cidade de Belo Horizonte
Estudo de Caso 5 – Sistema alimentar local na cidade de Belo Horizonte concentra-se em inovações de políticas em nível local, na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil. Desde a implementação de uma abordagem integrada de segurança alimentar na década de 1990, a cidade tem sido identificada como um caso modelo para a promoção do direito humano à alimentação adequada.
Pandemia de Covid-19
Estudos de caso sobre a pandemia de Covid-19 e desigualdades alimentares
Devido ao surgimento da crise de saúde e seus desafios sociais e econômicos correlacionados, a pergunta de pesquisa “como a pandemia de Covid-19 contribuiu para o aumento da visualização, exacerbação ou redução das desigualdades alimentares?” foi incluída no grupo de pesquisa por meio de vários estudos de caso no Brasil e na Alemanha. Enquanto no Brasil há evidências de insegurança alimentar em ascensão, especialmente para famílias mais pobres, lideradas por mulheres ou pessoas negras, as vulnerabilidades parecem ser diferentes na Alemanha, como a situação dos trabalhadores e trabalhadoras migrantes no setor de alimentos e rurais. Em ambos os países, analisamos os impactos das pandemias nas desigualdades alimentares. Ao fazer isso, exploraremos como os movimentos alimentares e as redes alimentares alternativas se adaptaram à pandemia e disputaram as oportunidades de reforma e transformação na política alimentar.
Métodos
As perguntas da pesquisa exigem diferentes tipos de coleta e análise de dados. Portanto, optou-se por uma abordagem multimétodos de dados quantitativos e qualitativos.
As principais demandas e reivindicações de justiça dos movimentos alimentares são analisadas por meio de surveys de protesto, entrevistas qualitativas, análise de documentos e observação participante em pesquisas etnográficas com movimentos sociais.
Os conhecimentos e as tecnologias em redes alimentares alternativas e movimentos agroecológicos são primeiramente mapeados e depois estudados com entrevistas e observação participante.
As inovações políticas em nível local são investigadas por meio de entrevistas com especialistas, formuladores de políticas e trabalhos etnográficos que acompanham as interações entre o Estado e a sociedade.
Os impactos das pandemias de Covid-19 sobre as desigualdades alimentares são pesquisados por meio de uma combinação de pesquisas de opinião pública sobre insegurança alimentar, análises de discurso de artigos de jornais sobre alimentação e pandemias, bem como etnografia digital e entrevistas com movimentos sociais e redes alimentares alternativas em suas estratégias de reação à pandemia.
Para todos os estudos de caso, haverá coleta de dados, como documentos, mídia social e materiais visuais, aproveitando também as oportunidades de etnografias digitais.
Reivindicações de justiça
Quais são as principais reivindicações de justiça que mobilizam cidadãos e consumidores para denunciar as desigualdades alimentares e exigir políticas alimentares alternativas em diferentes regiões do mundo?
- Survey de protesto
- Entrevistas qualitativas
- Análise de documentos
- Observação de participantes
Conhecimentos e tecnologias
Quais conhecimentos e tecnologias são encontrados nos movimentos alimentares que visam superar as desigualdades alimentares e moldar políticas alimentares ecológicas, justas e democráticas?
- Mapeamentos
- Entrevistas qualitativas
- Observação participante
- Etnografia digital
Políticas públicas
Quando esses conhecimentos e tecnologias alternativos são capazes de influenciar a política alimentar em geral e as políticas públicas em particular?
- Survey
- Entrevistas com especialistas
- Entrevistas com formuladores de política
- Trabalho etnográfico que acompanha as interações entre o Estado e a sociedade
- Etnografias digitais
Pandemia de Covid-19
Como as múltiplas crises (sanitária, social, econômica, política) associadas à pandemia de Covid-19 exacerbaram e visibilizaram as desigualdades alimentares ou proporcionaram janelas de oportunidade para mudanças na política alimentar?
- Pesquisa de opinião pública
- Análises de discurso de artigos de jornais
- Entrevistas qualitativas
- Etnografias digitais
Metas de desenvolvimento sustentável (SDGs)
Com base nos debates políticos globais sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas, a segurança alimentar, que aparece de forma proeminente como ODS 2 (fome zero e agricultura sustentável), será considerada em sua relação com outros objetivos, em especial os de saúde e bem-estar (ODS 3), igualdade de gênero (ODS 5), redução das desigualdades (ODS 10), consumo e produção responsáveis (ODS 12), vida terrestre (ODS 15) e paz, justiça e instituições eficazes (ODS 16).